Moção de Repúdio da Assembleia Geral da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) quanto a atuação do grupo Dakila Pesquisas A Assembleia Geral da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), reunida ordinariamente durante o XXII Congresso da SAB, na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, manifesta através do presente documento seu repúdio à desinformação de má fé, que distorce o conhecimento arqueológico, por uma iniciativa suspeita associada a uma suposta cidade – que seria a primeira do mundo com “milhões de anos” – chamada “Ratanabá,” localizada no interior da Terra Indígena Kayabi, norte do estado do Mato Grosso, no município de Apiacás. A partir do uso de imagens de satélite de formações geológicas localizadas nessa área, este grupo começou a circular nas redes sociais narrativas fantasiosas sobre uma suposta “existência de grandes civilizações perdidas e grandes verdades a serem reveladas” que visam benefício para quem as difunde, e engajamento em suas redes. Vale ainda lembrar que essa iniciativa circulou de forma exponencial justamente quando foi revelado o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips no Vale do Javari, como forma de desviar buscas online relacionadas a termos como “Amazônia”. Infelizmente, essas fake news, em princípio risíveis e facilmente rebatidas com argumentos científicos básicos, têm tomado proporções preocupantes, porque deslegitimam a ocupação histórica e tradicional dos territórios de povos indígenas e tradicionais, quando diz que tais “cidades” teriam centenas de milhares de anos, revelando um viés racista que relaciona a (neste caso, falsa) monumentalidade na Amazônia a ocupações não-indígenas ou até de seres fantásticos. Após disseminar essas inverdades, esses pseudo pesquisadores buscam alicerçar suas narrativas em eventos científicos e no órgão estatal que cuida do patrimônio arqueológico, usando assim a abertura democrática da produção de ciência de forma distorcida para legitimar suas fake news. Foi assim no 14 SINAGEO (Simpósio Nacional de Geomorfologia), quando apresentou resumos que falavam apenas de uso de LIDAR para identificação de feições geológicas na região amazônica, enquanto nas apresentações citaram a existência de “grandes verdades que serão reveladas” e a ocupação do território brasileiros por seres gigantes há milhões de anos. No mesmo período, em suas redes sociais afirmavam que “nosso artigo foi aprovado e reconhecido cientificamente”, sendo esta uma deturpação do que é um evento científico. Em suas redes ainda são percebidos laços com atividades turísticas, o que causa perplexidade em se tratando de uma terra indígena onde não houve consulta livre, prévia e informada conforme estipula a legislação vigente. Nesse momento, este grupo obscuro busca respaldo junto aos povos indígenas e ao IPHAN, com discurso desvirtuado, alegando que o trabalho trata de “fortalecimento da identidade cultural indígena com base na proteção e conservação do patrimônio arqueológico.” Nas redes sociais, associam a área de “pesquisa” à “Ratanabá”, o que está em desacordo com a proposta do projeto que foi protocolado sob o número do processo 01450.005350/2023-21. Além de ser ofensiva, tal proposta é potencialmente perigosa para os povos indígenas e tradicionais que vivem nessa região. Dessa forma a Assembleia Geral Ordinária da Sociedade de Arqueologia Brasileira repudia as iniciativas ligadas ao grupo Dakila Pesquisas, e pede atenção dos órgãos responsáveis com esta fraude. Solicita-se que retirem do ar suas redes que difundem mentiras e que revisem a autorização de qualquer “pesquisa” protocolada em órgãos de estado associadas às fraudes identificadas. Especificamente, solicitamos ao IPHAN que arquive a análise de tal processo que viola princípios éticos básicos.Florianópolis, 15 de novembro de 2023.
Moção
NOTA DA SOCIEDADE DE ARQUEOLOGIA BRASILEIRA EM DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS E CONTRA O PL 490 E A TESE DO MARCO TEMPORAL A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), associação civil de caráter científico que congrega especialistas dedicadas/os ao ensino, à pesquisa e à prática da arqueologia e áreas afins no Brasil, coerente com posições anteriormente divulgadas em defesa da democracia, dos direitos humanos, do patrimônio cultural e da preservação da biodiversidade, vem a público manifestar apoio aos povos indígenas e registrar posição contrária ao Projeto de Lei n. 490 (PL 490), de 20 de Março de 2007, e à tese inconstitucional do marco temporal, haja vista o seguinte entendimento:a) que a história dos povos indígenas não tem início em 5 de outubro de 1988, data relativa à promulgação da Constituição Federal, mas em temporalidades que recuam mais de 12.000 anos nas Américas;b) que os povos indígenas possuem direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, conforme determina o Art. 231 da Carta Constitucional;c) que na data de 5 de Outubro de 1988, quando passou a vigorar a Lei Maior, diversas comunidades indígenas não tinham a posse das terras tradicionalmente ocupadas porque delas foram forçosamente removidas e, até então, não tinham a quem recorrer em defesa de seus direitos territoriais junto ao Estado Brasileiro;d) que a formação de muitas propriedades privadas sobre terras públicas ou devolutas, tituladas a partir de 18 de setembro de 1850, incide sobre terras tradicionalmente ocupadas e não obedece, pois, o que determina a Lei n. 601, aprovada naquela data e conhecida como Lei de Terras, situação esta também verificada em temporalidades mais recentes, conforme atesta o Relatório Figueiredo, produzido em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia a pedido do Ministério do Interior, e diversos estudos científicos publicados nas últimas décadas;e) que o processo administrativo de identificação, delimitação e demarcação de Terras Indígenas, que faz parte do processo de regularização das terras tradicionalmente ocupadas, é feito com base na legislação brasileira e por meio de relatórios técnico-científicos produzidos por grupos de trabalho constituídos pelo órgão indigenista oficial, não cabendo, portanto, ao Poder Legislativo atribuir para si a tarefa dada suas idiossincrasias;f) que a aprovação do PL 490, feita na Câmara Federal em 30 de maio de 2023, busca legalizar a propriedade ilícita de terras tradicionalmente ocupadas, coloca em risco à preservação da biodiversidade, fragiliza o Estado Democrático de Direito, promove insegurança jurídica e ameaça a sobrevivência de muitos povos indígenas.Prestados os necessários esclarecimentos, a SAB ratifica o apoio incondicional à garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e à defesa do Estado Democrático de Direito, e manifesta posição contrária à tese inconstitucional do marco temporal e ao PL 490.Porto Alegre, 5 de junho de 2023. Sociedade de Arqueologia Brasileira
Conheça o conteúdo da Carta-resposta ao Exm° Governador do Mato Grosso sobre o “Lobby do IPHAN”, elaborada pelo GT de Patrimônio Arqueológico no Licenciamento Ambiental da SAB.Clique aqui